Em Lisboa os loucos são aos milhões, mas os patologicamente loucos são, apenas, cerca de milhares.
Estes que sofrem de loucura, em vez dos que a praticam, encontram-se sobretudo nas instituições psiquiátricas, mas há um tratamento nestes locais (que nunca vi noutro país da Europa) onde é permitida a deambulação de esquizofrénicos, dementes e outros que tais, pelas ruas, mediante um mero controlo de horário. É como se dessem ordem de soltura a um animal de estimação, mas que depois o obrigassem a estar em casa a partir de uma certa hora.
Claro que nesta prática tão terapêutica (ou não, dada a má aceitação dos normais (os outros loucos) que chegam a insultar e agredir estes pacientes) há sempre um ou mais doentes que se escapam pelas ruas da capital.
No outro dia fui abordado por um, enquanto eu me equipava junto à minha moto:
-Desculpe! Estou a incomodar? (Perguntou-me educadamente um homem com cerca de 40 anos, cabelo branco encaracolado, cortado à tigela.)
-Não me está a incomodar, não senhor. Diga? (Respondi eu, enquanto metia o capacete.)
-O Senhor é você próprio ou tem outra identidade?
Ainda pensei em aproveitar a deixa e ter ali uma conversa filosófica onde falava do ser e do ambiente que o rodeia e o influencia, e onde nós somos meras identidades particulares que em conjunto são colectivas. Mas como fiquei com a certeza que não ganharia o argumento pois ele tinha pinta de ser barra em discussões (não era a primeira vez que o via a discutir com ele próprio em voz alta) fiquei pela afirmação simples:
-Sim, sou eu próprio!
-Obrigado! (E lá seguiu o seu caminho, rumo aos restauradores)
Deu-me para sorrir e pensar em quais seriam as razões que levaram este homem, não muito jovem mas nada velho, àquele estado de insanidade. Este pelo menos tem desculpa os outros é que não, mas como ele há muitos:
Uma vez junto ao Terreiro do Paço, durante o que eu deduzi tratar-se de uma gravação de um filme, um louco doente remata:
-Shiuuuuuuuuuuu!!!! (afirmou ele de forma veemente, ao ponto de deixar algumas pessoas constrangidas)
Logo a seguir, vociferou ele próprio:
-Eu não me calo!
É assim o mundo dos loucos doentes em Lisboa, pelas terrinhas do interior este tipo de pessoas até tem direito a profissão mas aqui, nesta grande cidade, são simplesmente esquecidos. Esta "gente de olhar ausente, tão tristes vão que nem são" são a face que envergonha os loucos que conheci, pois na esfera deste mundo de gente louca sem sofrer de patologia nenhuma, os loucos que realmente são doentes, são maltratados e entregues a si próprios mesmo quando estão em regime de internato em instituições psiquiátricas como o Júlio de Matos. Se não acreditam passem pela Av. do Brasil entre as 8h e as 9h da amanhã, horas a que saem para o seu passeio pela cidade, depois regressam às 12h ou 13h para o almoço para depois voltarem a sair até às 17h 18h.
Estes que sofrem de loucura, em vez dos que a praticam, encontram-se sobretudo nas instituições psiquiátricas, mas há um tratamento nestes locais (que nunca vi noutro país da Europa) onde é permitida a deambulação de esquizofrénicos, dementes e outros que tais, pelas ruas, mediante um mero controlo de horário. É como se dessem ordem de soltura a um animal de estimação, mas que depois o obrigassem a estar em casa a partir de uma certa hora.
Claro que nesta prática tão terapêutica (ou não, dada a má aceitação dos normais (os outros loucos) que chegam a insultar e agredir estes pacientes) há sempre um ou mais doentes que se escapam pelas ruas da capital.
No outro dia fui abordado por um, enquanto eu me equipava junto à minha moto:
-Desculpe! Estou a incomodar? (Perguntou-me educadamente um homem com cerca de 40 anos, cabelo branco encaracolado, cortado à tigela.)
-Não me está a incomodar, não senhor. Diga? (Respondi eu, enquanto metia o capacete.)
-O Senhor é você próprio ou tem outra identidade?
Ainda pensei em aproveitar a deixa e ter ali uma conversa filosófica onde falava do ser e do ambiente que o rodeia e o influencia, e onde nós somos meras identidades particulares que em conjunto são colectivas. Mas como fiquei com a certeza que não ganharia o argumento pois ele tinha pinta de ser barra em discussões (não era a primeira vez que o via a discutir com ele próprio em voz alta) fiquei pela afirmação simples:
-Sim, sou eu próprio!
-Obrigado! (E lá seguiu o seu caminho, rumo aos restauradores)
Deu-me para sorrir e pensar em quais seriam as razões que levaram este homem, não muito jovem mas nada velho, àquele estado de insanidade. Este pelo menos tem desculpa os outros é que não, mas como ele há muitos:
Uma vez junto ao Terreiro do Paço, durante o que eu deduzi tratar-se de uma gravação de um filme, um louco doente remata:
-Shiuuuuuuuuuuu!!!! (afirmou ele de forma veemente, ao ponto de deixar algumas pessoas constrangidas)
Logo a seguir, vociferou ele próprio:
-Eu não me calo!
É assim o mundo dos loucos doentes em Lisboa, pelas terrinhas do interior este tipo de pessoas até tem direito a profissão mas aqui, nesta grande cidade, são simplesmente esquecidos. Esta "gente de olhar ausente, tão tristes vão que nem são" são a face que envergonha os loucos que conheci, pois na esfera deste mundo de gente louca sem sofrer de patologia nenhuma, os loucos que realmente são doentes, são maltratados e entregues a si próprios mesmo quando estão em regime de internato em instituições psiquiátricas como o Júlio de Matos. Se não acreditam passem pela Av. do Brasil entre as 8h e as 9h da amanhã, horas a que saem para o seu passeio pela cidade, depois regressam às 12h ou 13h para o almoço para depois voltarem a sair até às 17h 18h.