terça-feira, 31 de março de 2009

Loucos verdadeiros vs loucos que conheci

Em Lisboa os loucos são aos milhões, mas os patologicamente loucos são, apenas, cerca de milhares.
Estes que sofrem de loucura, em vez dos que a praticam, encontram-se sobretudo nas instituições psiquiátricas, mas há um tratamento nestes locais (que nunca vi noutro país da Europa) onde é permitida a deambulação de esquizofrénicos, dementes e outros que tais, pelas ruas, mediante um mero controlo de horário. É como se dessem ordem de soltura a um animal de estimação, mas que depois o obrigassem a estar em casa a partir de uma certa hora.
Claro que nesta prática tão terapêutica (ou não, dada a má aceitação dos normais (os outros loucos) que chegam a insultar e agredir estes pacientes) há sempre um ou mais doentes que se escapam pelas ruas da capital.
No outro dia fui abordado por um, enquanto eu me equipava junto à minha moto:

-Desculpe! Estou a incomodar? (Perguntou-me educadamente um homem com cerca de 40 anos, cabelo branco encaracolado, cortado à tigela.)
-Não me está a incomodar, não senhor. Diga? (Respondi eu, enquanto metia o capacete.)
-O Senhor é você próprio ou tem outra identidade?
Ainda pensei em aproveitar a deixa e ter ali uma conversa filosófica onde falava do ser e do ambiente que o rodeia e o influencia, e onde nós somos meras identidades particulares que em conjunto são colectivas. Mas como fiquei com a certeza que não ganharia o argumento pois ele tinha pinta de ser barra em discussões (não era a primeira vez que o via a discutir com ele próprio em voz alta) fiquei pela afirmação simples:
-Sim, sou eu próprio!
-Obrigado! (E lá seguiu o seu caminho, rumo aos restauradores)

Deu-me para sorrir e pensar em quais seriam as razões que levaram este homem, não muito jovem mas nada velho, àquele estado de insanidade. Este pelo menos tem desculpa os outros é que não, mas como ele há muitos:

Uma vez junto ao Terreiro do Paço, durante o que eu deduzi tratar-se de uma gravação de um filme, um louco doente remata:
-Shiuuuuuuuuuuu!!!! (afirmou ele de forma veemente, ao ponto de deixar algumas pessoas constrangidas)
Logo a seguir, vociferou ele próprio:
-Eu não me calo!

É assim o mundo dos loucos doentes em Lisboa, pelas terrinhas do interior este tipo de pessoas até tem direito a profissão mas aqui, nesta grande cidade, são simplesmente esquecidos. Esta "gente de olhar ausente, tão tristes vão que nem são" são a face que envergonha os loucos que conheci, pois na esfera deste mundo de gente louca sem sofrer de patologia nenhuma, os loucos que realmente são doentes, são maltratados e entregues a si próprios mesmo quando estão em regime de internato em instituições psiquiátricas como o Júlio de Matos. Se não acreditam passem pela Av. do Brasil entre as 8h e as 9h da amanhã, horas a que saem para o seu passeio pela cidade, depois regressam às 12h ou 13h para o almoço para depois voltarem a sair até às 17h 18h.

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